sábado, 12 de dezembro de 2009

A menina dos Fósforos


"Fazia tanto frio! A neve não parava de cair e a noite aproximava-se. Aquela era a última noite de Dezembro, véspera do dia de Ano Novo. Perdida no meio do frio intenso e da escuridão, uma pobre menina seguia pela rua fora, com a cabeça descoberta e os pés descalços. É certo que ao sair de casa trazia um par de chinelos, mas não duraram muito tempo, porque eram uns chinelos que já tinham pertencido à mãe, e ficavam-lhe tão grandes, que a menina os perdeu quando teve de atravessar a rua a correr para fugir de um trem. Um dos chinelos desapareceu no meio da neve, e o outro foi apanhado por um garoto que o levou, pensando fazer dele um berço para a irmã mais nova brincar.

Por isso, a menina seguia com os pés descalços e já roxos de frio; levava no avental uma quantidade de fósforos, e estendia um maço deles a toda a gente que passava, apregoando:

–Quem compra fósforos bons e baratos? – Mas o dia tinha-lhe corrido mal. Ninguém comprara os fósforos, e, portanto, ela ainda não conseguira ganhar um tostão. Sentia fome e frio, e estava com a cara pálida e as faces encovadas. Pobre menina! Os flocos de neve caíam-lhe sobre os cabelos compridos e loiros, que se encaracolavam graciosamente em volta do pescoço magrinho; mas ela nem pensava nos seus cabelos encaracolados. Através das janelas, as luzes vivas e o cheiro da carne assada chegavam à rua, porque era véspera de Ano Novo. Nisso, sim, é que ela pensava.

Sentou-se no chão e enrolou-se ao canto de um portal. Sentia cada vez mais frio, mas não tinha coragem de voltar para casa, porque não vendera um único maço de fósforos, e não podia apresentar nem uma moeda, e o pai era capaz de lhe bater. E afinal, em casa também não havia calor. A família morava numa água-furtada, e o vento metia-se pelos buracos das telhas, apesar de terem tapado com farrapos e palha as fendas maiores. Tinha as mãos quase paralisadas com o frio. Ah, como o calorzinho de um fósforo aceso lhe faria bem! Se ela tirasse um, um só, do maço, e o acendesse na parede para aquecer os dedos! Pegou num fósforo e: Fcht!, a chama espirrou e o fósforo começou a arder! Parecia a chama quente e viva de uma candeia, quando a menina a tapou com a mão. Mas, que luz era aquela? A menina julgou que estava sentada em frente de um fogão de sala cheio de ferros rendilhados, com um guarda-fogo de cobre reluzente. O lume ardia com uma chama tão intensa, e dava um calor tão bom! Mas, o que se passava? A menina estendia já os pés para se aquecer, quando a chama se apagou e o fogão desapareceu. E viu que estava sentada sobre a neve, com a ponta do fósforo queimado na mão.

Riscou outro fósforo, que se acendeu e brilhou, e o lugar em que a luz batia na parede tornou-se transparente como tule. E a menina viu o interior de uma sala de jantar onde a mesa estava coberta por uma toalha branca, resplandecente de loiças finas, e mesmo no meio da mesa havia um ganso assado, com recheio de ameixas e puré de batata, que fumegava, espalhando um cheiro apetitoso. Mas, que surpresa e que alegria! De repente, o ganso saltou da travessa e rolou para o chão, com o garfo e a faca espetados nas costas, até junto da rapariguinha. O fósforo apagou-se, e ela só viu na sua frente a parede negra e fria.

E acendeu um terceiro fósforo. Imediatamente se encontrou ajoelhada debaixo de uma enorme árvore de Natal. Era ainda maior e mais rica do que outra que tinha visto no último Natal, através da porta envidraçada, em casa de um rico comerciante. Milhares de velinhas ardiam nos ramos verdes, e figuras de todas as cores, como as que enfeitam as montras das lojas, pareciam sorrir para ela. A menina levantou ambas as mãos para a árvore, mas o fósforo apagou-se, e todas as velas de Natal começaram a subir, a subir, e ela percebeu então que eram apenas as estrelas a brilhar no céu. Uma estrela maior do que as outras desceu em direcção à terra, deixando atrás de si um comprido rasto de luz.

«Foi alguém que morreu», pensou para consigo a menina; porque a avó, a única pessoa que tinha sido boa para ela, mas que já não era viva, dizia-lhe muita vez: «Quando vires uma estrela cadente, é uma alma que vai a caminho do céu.»
Esfregou ainda mais outro fósforo na parede: fez-se uma grande luz, e no meio apareceu a avó, de pé, com uma expressão muito suave, cheia de felicidade!

– Avó! – gritou a menina – leva-me contigo! Quando este fósforo se apagar, eu sei que já não estarás aqui. Vais desaparecer como o fogão de sala, como o ganso assado, e como a árvore de Natal, tão linda.

Riscou imediatamente o punhado de fósforos que restava daquele maço, porque queria que a avó continuasse junto dela, e os fósforos espalharam em redor uma luz tão brilhante como se fosse dia. Nunca a avó lhe parecera tão alta nem tão bonita. Tomou a neta nos braços, e soltando os pés da terra, no meio daquele resplendor, voaram ambas tão alto, tão alto, que já não podiam sentir frio, nem fome, nem desgostos, porque tinham chegado ao reino de Deus.

Mas ali, naquele canto, junto do portal, quando rompeu a manhã gelada, estava caída uma rapariguinha, com as faces roxas, um sorriso nos lábios… morta de frio, na última noite do ano. O dia de Ano Novo nasceu, indiferente ao pequenino cadáver, que ainda tinha no regaço um punhado de fósforos.
– Coitadinha, parece que tentou aquecer-se! – exclamou alguém. Mas nunca ninguém soube quantas coisas lindas a menina viu à luz dos fósforos, nem o brilho com que entrou, na companhia da avó, no Ano Novo!"

Hans Christian Andersen (1805 - 1875), publicado em 1845.

Já ouvi tantas versões desta história mas a verdade é que foi o conto de Natal que mais gostei, de todos aqueles que contavam no infantário ou na escola primária. Tem um fim triste, ou feliz não sei! É triste porque a menina morre, feliz porque vai para perto de quem a ama e onde os seus pezinhos não mais terão frio. Sempre que ouço esta história entristeço-me porque enquanto estamos na nossa recheada mesa no Natal e Ano Novo, há meninos que gelam de frio, que anseiam por uma "bucha" de pão e que no sapatinho apenas queriam amor, carinho e um prato de sopa. Quem me dera levá-los todos para perto de mim, todos sem excepção. Um sonho de pequenina é ter uma grande casa que acolha todos os meninos pobres do mundo. Aqueles sonhos de menina inalcançáveis. Mas pode-se começar sempre por algum lado...

1 comentário:

  1. Hans Christian Andersen é um dos meus contadores de histórias preferidos. Quando jovem passou na TV alguns dos seus contos mais conhecidos. Eu adorava vê-los... apresentavam valores tão importantes que fazem falta, actualmente, às nossas crianças. Hoje vêm mais guerra e violência, mesmo nas séries de banda desenhada o que as torna hiperactivas, para além de outros problemas que se verificam mais tarde...
    A história que apresentas é minha conhecida, sim... E passava na altura do Natal para chamar as almas mais egoistas para o mal dos outros e partilharem brinquedos, comida e roupa. Essa e outras (por exemplo alguns dos contos do Charles Dickens)foram muito importantes para mim... Chegando a esta altura (todos os anos) eu e as minhas filhas reunimos brinquedos e roupas e enviamos para instituições de caridade. Todos os anos fazemos isso e agora são elas que me lembram que esta ou aquela camisola pode ser para oferecer aos meninos mais "pobrezinhos"...
    Elas embrulham os brinquedos em papel de presente com um prazer muito grande só de imaginar a alegria que podem dar a outra criança menos afortunada.
    Estes contos fazem-me lembrar estas coisas boas, que se reproduziram de alguma forma para a minha vida
    Obrigada
    Bjs grandíssimooooooooooos. A tua simplicidade e espontaneidade tornam-te dona de uma beleza natural e especial. Nunca deixes de ser assim.

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