sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A força de um olhar agradecido é o motor do meu coração...

Começou aquele que para mim é um ponto de viragem da minha vida. A profissão de enfermagem resume todas as competências que se desenvolvem no contexto em que me encontro neste momento. É a primeira vez que me deparo frontalmente com a doença, em que tenho de pensar nos outros e em mim também, em proteger os outros mas proteger me a mim tambem. Estou no incio e sinto me deslumbrada. Assumo um grande medo, um grande anseio pelo desconhecido mas um medo que me assolava e que me assustava era a comunicação não verbal, aquela que temos face a uma pessoa acamada, totalmente dependente, em que nós falamos com ela mas não obtemos resposta verbal, em que temos de interpretar apenas o corpo, o olhar, a posição das mãos, a força do toque, a textura da pele... Essa é uma vertente da comunicação que não tenho ainda bem desenvolvida. Assusta-me...

Mas hoje, hoje no meu segundo dia de estágio, é que percebi uma vez mais a minha essência, este meu gosto por aquilo que quero fazer ao longo da minha vida. Comecei o meu segundo dia de estágio com as habituais higienes. Fui chamada para fazer a mesma, à sala de isolamento, onde ja tinha estado ontem e ja tinha feito a mesma higiene à mesma pessoa. Apetrechei-me como o ambiente exige e fui com uma doce enfermeira e sempre disposta a ajudar para a sala em questão. Dirigo me ao senhor, acamado, totalmente dependente em todas as suas NHF's e disse lhe "Olá, entao como estamos hoje? Vamos tomar um banhinho?" e aquele sempre olhar fixo do dia anterior se manteve, aquele corpo emagrecido de 27 Kg nem estremeceu e a sua posição rigidamente fetal estava mais vincada que o dia anterior. Começámos a higiene e eu, naquele meu instinto que muitas vezes nem eu própria sei explicar, deslizei a minha mão, mesmo que protegida pelas luvas, naquela cabeça envelhecida, coberta de cabelos brancos. Aí, fiz uma rápida retrospectiva da minha vida, e do sentido do meu ser, porque aquele senhor de olhar fixo, deslizou a vista na minha direcção, soltou uma lágrima e desde aí, mesmo sem falar, estivemos sempre, ate ao final do procedimento, em clara comunicação. Não sei se lá voltarei, porque a nossa entrada naquela divisão está um pouco restrita e darei, com todo o gosto, o meu lugar às minhas colegas, mas aquele senhor fez hoje de mim a pessoa mais feliz do mundo. E é ao contentar me com este muito que todos consideram pouco, que me sinto íntegra, pura, e enfermeira! Sei que muitas que lêm o que escrevo entendem o que eu digo, e outras que não o entendem, pensam que é so bla bla bla mas cada vez que me lembro dos meus escassos dias neste serviço, emociono-me e sinto me tão feliz, tão paga pelo meu trabalho...com os olhares agradecidos das pessoas a quem ajudo a comer, a quem ajudo a vestir, a quem ajudo a falar apenas...e sei também o quanto o meu sorriso se tem tornado terapêutico!

E tudo isto que disse é tao pouco para o turbilhão de emoções, orgulhos, sentimentos que trago dentro de mim!

A cada dia que passo me sinto mais enfermeira...e é tão bom!

1 comentário:

  1. well well well Tanita...
    Que gosto me dá ler os posts dos meus pupilos acerca do que sentem nesta nova caminhada! Realmente, para grandes emoções as palavras são sempre escassas e não conseguem dizer o que sentimos dentro de nós. Minha querida, os gestos mais "pequenos" são aqueles que trazem a paz, a saúde, a presença da pessoa de quem cuidamos. Essa pessoa anseia por alguém que lhe toque a alma, além do corpo. Esse quase dexou de fazer parte dele... Não é na manipulação de tecnologias (bombas infusoras, ventiladores, etc) que nos sentimos conciliados com o ser humano. Um sorriso, um toque, um olhar de compreensão são gestos que mostram a nossa presença junto do outro. Porque a dor quase a suportam, mas a indiferença é que se torna insuportável. Não há maior sofrimento do que ser ignorado... Por isso o teu sorriso vai fazer milagres nesse serviço. Claro que, aliado a todo o saber necessário.
    bjs sorridentes
    Um dia, quiçá, terei a sorte de ter junto de mim, pessoas como vós.

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